Depois de levar suas grandes ideias para cidades como Nova Iorque, Sidney e Londres, o arquiteto e urbanista dinamarquês Jan Gehl, referência mundial em planejamento urbano para as pessoas e espaços públicos, esteve em São Paulo onde realizou a conferência ‘Cidade para Pessoas’. O encontro foi uma oportunidade de compartilhar as iniciativas internacionais bem-sucedidas de intervenção urbana, e aprender a como humanizá-las garantindo aos cidadãos um espaço de convivência seguro, saudável e sustentável.
Desde que se formou, há mais de 50 anos, Gehl tem estudado a arquitetura pela interação das formas com a vida humana. De lá para cá, importantes transformações aconteceram na vida das pessoas, como o crescimento das cidades e, principalmente, com o forte desenvolvimento da indústria automobilística e a invasão de carros. “Começamos a perder em qualidade de vida nas cidades a partir de 1955, quando o mobiliário urbano convivia em harmonia com as demais coisas. Daí em diante, centenas de praças e bulevares deram lugar a ruas e avenidas criadas para dar vazão ao tráfego de veículos. Ao longo do tempo, fomos esquecendo como é bom viver em uma cidade sem o trânsito dos carros”, aponta o urbanista.
O início dos erros de planejamentos urbanos data de 1960, quando, em escala mundial, as cidades incharam em enormes proporções, colocando de lado as pessoas, que foram esquecidas nesse processo. Para Gehl, a arquitetura das últimas décadas não favorece a fruição humana pelo espaço que as cerca. “Os projetos são sempre utopias que apresentam perspectivas viáveis para as pessoas. Na prática, entretanto, essas construções em nada lhes servem. E é por isso que as sociedades têm procurado locais mais humanos e acolhedores para viver.”
“Algumas cidades do mundo já adotam o ‘people scale’, ou seja, a configuração de espaços públicos em tamanho e proporção adequada para as pessoas. O ambiente físico influencia positivamente na convivência entre os cidadãos na medida em que os locais se mostrem atraentes e ofereçam opções de lazer e cultura, além de ambientes mais limpos e com menos poluição sonora, visual e atmosférica”, comenta o urbanista. “Em Copenhague, as ruas são feitas para as bicicletas e para os pedestres. Detemos o recorde mundial de utilização de ‘magrelas’: 37% da população da cidade utiliza o transporte”, em detrimento ao transporte público (33%) e ao carro (27%).
Perguntado se tivera a oportunidade de conhecer São Paulo, o urbanista lamentou estar a pouco tempo na quinta maior cidade do mundo, mas reconhece os problemas do modelo brasileiro, de verticalização como solução para a densidade demográfica. “Temos em São Paulo milhares de edifícios que não possuem relação alguma com as áreas adjacentes, criando ‘ilhas’ independentes que desfiguram a malha urbana. Essas torres são soluções preguiçosas dos arquitetos. O que acontece é que o homem tem que se adaptar a essas estruturas, quando, na verdade, deveria acontecer o contrário. Precisamos reconquistar o direito das pessoas à cidade. E a gestão política deve trabalhar em conjunto com a sociedade civil para valorizá-la.”
Um exemplo significativo desse tipo de mudança promovido pelo poder público aconteceu com a Times Square, uma junção da Broadway com a Sétima Avenida, em Nova Iorque. Apesar de ser o símbolo da cidade, o local se encontrava descuidado e violento, as ruas eram incrivelmente cheias e com pouco espaço para pedestre. Em 2009, o prefeito Michael Bloomberg fechou totalmente o trecho da Broadway, e os carros perderam três pistas, que foram convertidas em ciclovias e calçadões.
“A maior preocupação com o fechamento do tráfego era piorar o trânsito, mas ocorreu o oposto: com o anúncio da restrição do tráfego, e o investimento em novas formas de circulação como a bicicleta, a circulação de veículos melhorou. As atividades econômicas do local também não foram prejudicadas. Tudo faz parte de um processo gradual. Uma cidade se torna muito mais atraente com mais pessoas circulando e interagindo pelos espaços públicos. Em São Paulo você não conseguirá eliminar o Minhocão de uma vez, mas aos poucos, oferecendo alternativas”, garante Jan Gehl, que, lembrando da música New York, New York, fez uma menção especial de incentivo para a capital paulista: “When you make it there, you can make it anywhere, São Paulo.”
Por Ricardo Rossetto
Foto: Paulo Gervino
Texto publicado no site www.scoop.it.